Cântico negro
- Ana Helena Reis
- 25 de mar.
- 2 min de leitura

“Ninguém me diga: vem por aqui.” Preciso traçar meus próprios caminhos, vencer os penhascos, aos tropeços e me lançar por trilhas inesperadas. Ser ovelha é uma pele que não me pertence, engessa os movimentos. Prefiro ser cabra-montês, galgando os penhascos tortuosos e solitários, onde o vento fresco assobia e a vista se alonga à procura de novas trilhas.
“A minha vida é um vendaval que se soltou”, desprendeu do varal e rodopiou pela vizinhança em turbilhão, ora subindo, ora descendo, como uma pipa multicolorida. A rabiola se retorcendo em busca de novos ventos que a levem para mais alto, e mais, e mais. Por vezes, tombada ao chão, agonizante, mas não vencida. Arrebatada por outra ventania, se recupera em busca de novos voos.
“É uma onda que se alevantou”, e invadiu minha praia com a espuma branca e efervescente da esperança. Batizou meu corpo com seu sal e me brindou com a sabedoria das marés que vem e vão. Chegadas e partidas daqueles que se banham em suas águas e deixam na areia somente os desenhos de sua passagem, pois, como diria o poeta, a hora do sim é um descuido do não.
“É um átomo a mais que se animou…”. E saiu vagando à procura de sua própria energia, de uma nova composição entre o positivo e o negativo. Única, singular, inusitada. A busca do espelho onde o pato se enxerga cisne.
“Não sei por onde vou”, não me pergunte. Meu caminho vai sendo traçado durante a jornada. Sem mapa, sem bússola, somente um pulsar que me faz mudar de rumo nas encruzilhadas da vida.
“Não sei para onde vou”, vou pela vida afora e me surpreendo a cada chegada. Me encanto, desfruto. Se desencanto? Sigo a marcha. Sem pressa, tocando os dias em busca do pote de ouro no fim da estrada. Aquele pote que só meus olhos conseguirão reconhecer.
Portanto…
“Ninguém me diga: vem por aqui,”
Pois uma certeza eu tenho:
Sei que por aí não vou!
***
Trechos extraídos do poema de José Régio, - Cântico Negro
“ a hora do sim é um descuido do não”
Gostei!
Ana, que lindeza de escrita!